“No posto de controle, não importa a sexualidade do soldado”: Sobre pinkwashing e homonacionalismo (I)

Este é o primeiro texto de uma série que pretende iniciar nossa coluna semanal em grande estilo: discutindo quais são os impactos de fazer vista grossa a países que parecem ser muito sensíveis a causa LGBTI, enquanto sabemos que não tem o mesmo cuidado com os demais direitos humanos. Porque ainda que nossas vidas sejam valiosas e devemos lutar pela dignidade dos nossos em todas as partes do mundo, nossa resistência não pode custar a resistência de outros setores.

O que é homonacionalismo?

Termo criado por Juliet Butler, homonacionalismo é aprática de crer no progresso de determinado país de acordo com o tratamento que ele despende aos seus LGBTIs. Ou seja, é como torcer para um determinado atletanão pelas suas habilidades técnicas, senão por suas fotos agradáveis no Instagram. A final, somos capazes defazer uma avaliação completa de uma pessoa ao acompanhar seus stories na academia, suas três refeições diárias em lugares paradisíacos e as incríveis façanhas com seu animal de estimação. O problema de shippar países sob esse critério de avaliação é que ele leva pessoas bem intencionadasa considerarem alguns países como evoluídos, quando na verdade os governos estão se utilizando da nossa pauta para garantir seus próprios interesses.

A política do homonacionalismo está relacionada com os rumos tomados pelo movimento LGBTI a partir dos anos 70, quando a bandeira de libertação gay foi trocada pela pauta dos direitos civis. Se nos anos 60, sair do armário significava questionar a formatação branca e heteronormativa da sociedade, exigindo a libertação de todos os oprimidos para a construção de um novo mundo, o objetivo hoje buscado pela maioria do movimento é o da inclusão social. Essa mudança estratégica altera a maneira como esses grupos sociais são tratados pelos estados­-nação, principalmente dos países imperialistas; que utilizam novas táticas para governar essas populações.

Ao oferecer algum nível de inserção ao homem branco homossexual elitizado, cria­-se um modelo de pauta e mobilização para todo o movimento (mundial) baseado em reformar a sociedade atual, abandonando uma perspectiva revolucionária dos tempos de Stonewall. Nesse contexto, ser a favor da causa LGBTI se torna um sinal de civilização; não aceitá-­los ao nosso redor é visto como antiquado e ignorante­ o que mais uma vez nos aliena da verdadeira razão de existência das opressões no capitalismo.

Um outro problema de mesma raiz é pré­-estabelecer um modelo único de forma e conteúdo para as pautas a serem tocadas em qualquer lugar, independente de dialogar com o contexto ou não. Para ilustrar o caso,  suponhamos que o movimento feminista europeu conclua que as mulheres brasileiras usam o jeans mais apertado de toda a indústria da moda devido à imposição machista de exibirem corpos curvilíneos e exuberantes para atingir o padrão de beleza local. Nesse sentido, as feministas europeias fazem um apelo para que as brasileiras abandonem suas calças justas como forma de combater o machismo que sofrem. Mediante a tal situação, qual seria a reação das feministas brasileiras? Independente de ser verdade ou não que nossas calças sejam um forte sinal de nossa opressão, em que esse chamado auxilia no combate ao machismo e no fortalecimento da classe trabalhadora no Brasil? Estaria essa pauta realmente na ordem do dia ou ela apenas satisfaz a necessidade das companheiras europeias de nos tornarem sua imagem e semelhança?

Caso as brasileiras questionassem a demanda levantada, provavelmente seriam vistas como tolas e submissas, incapazes deenxergar a própria opressão sofrida necessitando, portanto, de aliados que lhe apontem contra o que, quando e como lutar. Não pretendemos com essa reflexão cair no erro de considerar que existem sociedades muito diferentes da nossa, que possuem muitas particularidades que não conseguimos entender e por isso são regidas por suas próprias regras. Uma vez que o capitalismo se tornou o modo de produção hegemônico internacional, os elementos culturais distintos são resíduos do que um dia já foram. O que aqui está sendo dito é que devemos confiar na capacidade dos setores oprimidos de analisarem a sua própria opressão e respeitar as táticas escolhidas para a resistência, desde que elas não comprometam a estratégia.

O que é Pinkwashing?

É aqui que mora a armadilha. A ilusão criada com o homonacionalismo de que existem “países tolerantes capazes de serem exemplo para os outros” permitiu a proliferação do oportunismo de governos que passaram a utilizar a pauta LGBTI para simular uma certa “pluralidade” e, assim, encobrir a verdade sobre para quem eles realmente governam e quais armas utilizam. Essa prática é conhecida como Pinkwashing, um discurso voltado para a Europa e América do Norte em que se utiliza de algumas concessões aos LGBTs para desviar as atenções ou justificar o imperialismo e nacionalismo violento. Conhece algum país assim?

Ou seja, ao mesmo tempo que a democratização da informação pelos avanços tecnológicos ajudem na denúncia de tais crimes, os mesmos meios desenvolveram em todos nós a Síndromeda Marvel: você é Team Capitão América ou Team Iron Man? Você é Team LGBTI ou Team Anti-LGBTI? Baseando-se em nossas necessidades e gostos, buscamos respostas imediatas para problemáticas que muitas vezes não conhecemos a fundo, nem nos esforçamos para conhecer. Dessa maneira, com nossos likes, padrões, comentários em rodas de amigos e sonhos de consumo (porque consumir não está sendo possível, pois a maioria de nós somos precarizadas com o nome quase no Serasa), estamos ajudando a legitimar desastres que sequer imaginamos.

Na prática, o Pinkwashing é aquela voz que diz na nossa cabeca ao ver a invasão estadunidense ao Iraque para não termos empatia com aquelas pessoas, seja qual for a orientação sexual delas, pois o Iraque não é um país conhecido por ser um paraíso LGBTI.

Por que existe o machismo, o racismo e a lgbtfobia?

Para discutirmos seriamente o combate às opressões,precisamos analisá-­las dentro de um cenário mais amplo; o da luta de classes. Ao longo da História, foi necessário impor limitações a uma grande parcela da humanidade para se garantir os privilégios de uma pequena classe dominante. A opressão das mulheres e das LGBTIs está relacionada ao surgimento de excedente da produção e à transição de uma sociedade matriarcal para o patriarcado, reduzindo as liberdades sexuais que não estivessem voltadas para a geração de herdeiros legítimos. Já o racismo, na forma que o conhecemos hoje, surgiu para suprir as necessidades da empresa colonial, fornecendo capital e mão­-de­-obra para o impulsionamento do capitalismo.

O colonialismo redefiniu a maneira com a qual a humanidade lidava com o mundo: cada vez mais um único modo de produção se hegemonizava, destruindo as estruturas remanescentes e determinando qual seria a função de cada canto do mundo na produção mundial. A importância de cada país na divisão internacional do trabalho redesenhou a geografia, designando juízos de valor aos povos de acordo com sua posição na cadeia de produção. Quanto mais dependente e explorado for o país, mais responsabilizado por sua própria tragédia ele será, pois as consequências do imperialismo serão interpretadas como incapacidades de certos povos gerir em uma nação, aliado também a desvios morais que levam desde a corrupção até ao autoritarismo. Dessa maneira, o abismo entre os países considerados “centrais” e “periféricos” se aprofunda drasticamente apenas para que a burguesia das grandes potências possam lucrar com a riqueza produzida por todos os trabalhadores do planeta.

É preciso compreender que as condições de vida da classe trabalhadora variam caso ela seja de um país colonizado ou colonizador,o que também irá implicar nos direitos civis conquistados pelos setores oprimidos da classe. Quanto mais “rico” for o país, melhores serão as condições de vida de seus trabalhadores e o inverso também é verdadeiro, pois é a partir da exploração de outras partes do mundo que se financia a política de bem estar social nos países “desenvolvidos”. No entanto, esses direitos não são perenes: basta o primeiro sinal de crise econômica mais aguda para que governos e burguesias discutam a retirada deles. Portanto, devemos evitar a atual tendência de se abraçar países que adotam posturas aparentemente progressivas, pois alimentar a ideia de que existem “bons” países que servem de “exemplo aos demais” apaga as mazelas geradas pelo imperialismo edificulta a identificação dos trabalhadores enquanto uma classe mundial.

Ainda que o Pinkwashing também seja uma tática de marketing por diversas empresas e instituições que, casualmente se tornam pró-LGBT no mês da Parada Gay, o termo cunhado pela teórica queer estadounidense Jasbir K. Puar é fundamental para compreender a geopólitica atual. Sendo assim, temos que revelar para quem vai a coroa “Bandeira do Arco-Íris Ensanguentada”, ou seja, opaís que melhor conseguiu captalizar a tática do Pinkwashing: Israel. A frase que dá nome ao texto é de Haneen Maikey, uma ativista queer palestina, que como muitas outras pessoas ao redor do planeta, lutam para que a luta LGBTI não ande fora do ritmo da luta legítima pelo fim do apartheid e da colonização que sofre o povo palestino. Então, convida aquela sua amiga que trocou o sonho de arrasar nas ilhas gregas por descer até o chão nas baladas de Tel Aviv – ainda que não tenha dinheiro para nenhuma das coisas – a ler a coluna na próxima semana.  Se fere as nossas existências, seremos uma grande e única resistência.

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